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AMAZÔNIA: CIÊNCIA E RESILIÊNCIA

by Gilmar Couto

“A rigor é preciso uma avaliação profunda no ambiente de pesquisa para estimar-se o nível de produção e estudo científico do Amazonas, a possibilidade de compartilhamento de conhecimentos e de serviços, e o estabelecimento de critérios de pesquisas necessárias à luz dos documentos/demandas produzidos pelo Estado.”

Estevão Monteiro de Paula & Cláudio Ruy Vasconcelos

– Onde estão eles?

– Eles quem?

– Os cientistas?

A jovem jornalista em visita ao INPA perguntava ao Chefe do Departamento, caboclo e pesquisador, onde estavam os pesquisadores.

Para ela, os pesquisadores ou cientistas eram estrangeiros, excêntricos, claros e de olhos azuis. O ceticismo da sociedade brasileira sobre pesquisadores autóctones e sua produção de conhecimento aliado ao mito de que o cientista vinha de fora, construiu, ao longo do tempo, uma forte barreira preconceituosa difícil de transpor.

O sentimento coletivo de descrença nos cidadãos da Amazônia, incluindo a elite administrativa, sobre a produção do saber nas instituições de ensino e pesquisas locais criou uma crise de confiabilidade sem precedente, que, somada à carência de capital intelectual dessas instituições e de recursos financeiros, encaminha todo o sistema para falências múltiplas de suas atividades.

Amazônia sem suas instituições de ensino e pesquisas perpetuará sua ausência de identidade. Será Amazônia sem narrativa, sem capacidade de negociações, sem lideranças, sem autoconhecimento e autodeterminação, entregue a terceiros.

O fazer ciência da Amazônia está no limite do colapso total. Grande parte por sua própria culpa, afunda-se no seu próprio ego.

Distante, ausente na maioria das discussões políticas e sociais perdeu voz, perdeu presença e espaço político e social nos fóruns regionais e nacionais, essencialmente importantes para sua sustentabilidade.

A ciência local agoniza e respira com suporte, mas ainda toma seus remédios para revitalizar suas poucas células inteligentes que continuam presentes em suas veias. Células estas, reduzidas, mas ainda com sinais vitais: as células inteligentes devem mais do que nunca se unir para obter musculatura suficiente para mover-se com seus próprios pés.

É preciso movimentar-se para criar energia no ambiente, vencer a inercia do obscurantismo e da ausência de esquemas divulgadores da ciência local, além de construir sinergias para a formulação de um sistema autopoiético.

As células inteligentes, ainda vivas no sistema, devem catalisar as demais existentes no seu entorno e redimensionar todo o seu sinergismo. Assim, a estrutura organizacional regional de ciência e tecnologia deve trabalhar como organismo vivo capaz de consolidar-se e de adaptar-se em relação ao desenvolvimento de novas tarefas frente às mudanças sociais e econômicas que impõem mudanças críticas no modelo científico local, o do isolamento acadêmico.

O sistema transcende a capacidade das instituições organizadas por décadas, como se fossem seres inanimados, sem reflexos para responder rapidamente às demandas sociais e econômicas, estas potencializadas através das inovações tecnológicas.

Torna-se imprescindível a mutação do ambiente de produção cientifica para interação com o ambiente extra acadêmico, além da conectividade entre instituições científicas regionais e continentais. Isto requer, mudanças de cultura institucional revelando ou identificando atores importantes capazes de traduzir a linguagem cientifica às empresas e vice-versa: um árduo caminho ainda nem começado.

Neste sentido, está-se propondo um duplo sistema consentido de espionagem, onde observadores das empresas poderão circular nas instituições científicas e pesquisadores poderão auscultar demandas empresariais.

A imprevisibilidade do futuro

Diante de um futuro encantador, mas nebuloso, torna-se difícil prever quais são os desafios da ciência para Amazônia, considerando os avanços científicos em praticamente todas as áreas de conhecimento e a ausência de planejamento sobre quais caminhos econômicos desenvolvimentistas serão percorridos regionalmente. Assim, parte-se do que se tem em termos de produção de conhecimentos robustos.

Em princípio, se poderia pensar em ecologia, ciências florestais, biologia tropical, doenças negligenciadas, tecnologia da informação e comunicação e sistemas agroflorestais, no entanto, como eleger prioridades sem planejamento e sem saber qual papel a Amazônia jogará no cenário estratégico brasileiro, sendo que há narrativas preservacionistas que escondem interesses estrangeiros destruidores da autodeterminação nacional e local.

No limite é de surpreender a carência de engenharias nas suas mais diferentes áreas, tais engenharias são importantes, mas elas, são menos dependentes da localidade.

A ciência passa a ser mais competitiva com as inovações advindas das novas metodologias e da célere performance do aparato tecnológico para os ensaios científicos. Atualmente, é possível em alguns experimentos, ter uma resposta nos ensaios, com os equipamentos atuais, cerca de mil vezes mais rápido do que se fosse feito em ensaio na forma convencional.

Além disso é necessário entender que houve, ao longo do tempo, profundas transformações da sociedade, bem como do papel da ciência na sociedade. Atualmente, a expectativa em relação a produção cientifica é totalmente diferente daquela do passado.

Hoje, a sociedade não aceita erros da ciência. De fato, a possibilidade de erro diminui muito com o acúmulo de conhecimento, o desenvolvimento de processos metodológicos e com os avanços técnicos científico.

Infelizmente, o medo de errar instalou-se na academia. Professores, pesquisadores não querem que suas orientações de teses de doutorado coloquem em risco as hipóteses pré-estabelecidas.

Isto limita a possibilidade de ampliar conceitos, teses e de construir novas modelagem. Mas, toda a pesquisa responde às perguntas elaboradas como hipóteses que são estabelecidas com base em premissas.

A rejeição de uma hipótese estatisticamente comprovada em um experimento jamais invalida a pesquisa, ao contrário, constata que novos caminhos devem ser utilizados. Permite que a teoria existente possa ser testada, talvez refutada, dando ensejo ao surgimento de outra com maior poder explicativo.

As instituições de ensino e pesquisas devem ter consciência de sua responsabilidade social de prover conhecimento e contribuir paro o desenvolvimento do ser humano, além de cooperar no fortalecimento do PIB nacional.

A identidade correta de cada atividade amplia os horizontes das instituições, permite um desenho de gestão mais adequado, aumenta a sua capacidade de interlocução com ambiente externo e abre caminhos para a sua sustentabilidade social e econômica.

Recomenda-se classificar estas atividades segundo Manual de Frascati (documento publicado pela OCDE -Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

É compreensível entender que a sociedade espera de uma instituição de pesquisa resultados palpáveis, mas não se deve perder de vista a dimensão que as pesquisas possuem por serem também um “ativo imaterial”.

Por exemplo, a modelagem é imaterial, porém tangível: é o resultado da combinação de informações que podem trazer à lúmen problemas complexos e contribuir para tomada de decisão.

Então, a expectativa da sociedade de receber da ciência apenas ativos materiais, tais como inovação tecnológica, pode produzir a ilusão de que não se produz nada, considerando que cientistas objetivamente produzem artigos e modelagens. Todavia, são informações imprescindíveis sobre a previsão de dinâmica do ecossistema e o efeito do impacto devido as ações antrópicas.

Portanto, a produção de qualquer conhecimento obedecendo os preceitos metodológicos considerados pela ciência é essencial. Seja pesquisa básica, aplicada e desenvolvimento tecnológico.

No entanto é preciso que o pesquisador tenha o discernimento sobre o nível de conhecimento existente a respeito do seu objeto de estudo e decida o caminho do seu trabalho: pesquisa ou desenvolvimento tecnológico.

Entretanto é importante entender que as induções através da percepção de gargalos no setor empresarial poderão transformar, com frequência, os resultados de pesquisas básicas em inovações.

Importa ressaltar, no entanto, que atualmente existem poucos pesquisadores ou tecnologistas com perfis apropriados para realizar desenvolvimento tecnológico.

Vale observar a experiencia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) com a transferência de tecnologia da sopa de piranha desenvolvida pelo instituto.

A empresa que adquiriu o direito de utilizá-la tinha como mercado a China, portanto, a escala de produção era muito alta quando comparada com a escala laboratorial que chegava em torno de grama.

Esta mudança para o chão de fábrica iria ser feita por um desenvolvedor junto com o cientista do INPA. Infelizmente, a fatalidade de um desastre de avião que levou à morte o empresário, provocou o cancelamento deste projeto.

Diante da evolução do conhecimento, as conquistas tecnológicas já existentes e, em tendo-se a facilidade de interação com outras instituições, a massificação da comunicação juntamente com programas que aumentem a visibilidade das pesquisas, com investimentos para facilidade de mobilidade de professores, pesquisadores, técnicos, será possível, em grande parte, apropriar-se dos conhecimentos já adquiridos e adequá-los à realidade local.

A expectativa da sociedade em relação às respostas práticas justifica a aplicação de desenvolvimento tecnológico de conhecimentos já adquiridos para adequá-lo às condições amazônicas. Isto se dá principalmente na área de engenharia.

Um exemplo, entre tantos, poderia ser tentar responder a seguinte pergunta: como aumentar a eficiência energética dos mecanismos existentes para o aproveitamento da energia solar para o estado do Amazonas?

Não menos importante é saber: como vive um ente da natureza, que tipo de atividade desenvolve e como se comporta em relação a outros elementos?

Estas informações servem para pactuar acordos ambientais e até mesmo valorar esta atividade como se o ser humano a fizesse.

O caso das abelhas é típico…

É preciso entender que existem informações valorosas que precisam ser olhadas à luz de um empreendedor, uma vez que o pesquisador não tem perfil para isto. Para ele, o importante é a descoberta, o conhecimento para publicação.

Por essa razão, nasceram os núcleos de inovações tecnológicas (NIT) nas instituições, com o propósito de identificar as oportunidades de negócios com os conhecimentos produzidos na instituição e abrir outras oportunidades de pesquisa e desenvolvimento.

Para isto, é necessário que estes núcleos saiam da passividade e sejam proativos, promovendo reuniões com finalidade de abrir janelas de oportunidades, e identificando os ativos existentes.

Porém, também será necessária maior acuidade visual sobre as oportunidades, por parte das empresas, buscando mais interação com a academia, sendo que os NITs poderão ser fortes agentes facilitadores.

Da turbulência ao oceano de oportunidades

As organizações são constituídas de seres humanos que devem compartilhar os mesmos valores com objetivos comuns.

Isto significa que se não houver compreensão coletiva de uma nova proposta comportamental dos “stakeholders”, cientes de que as modificações possam contribuir para um cenário positivo, corre-se o risco de fracasso. Mas isto, não se faz com um passe de mágica: é um processo lento e de motivação.

Na física, para que um corpo modifique seu estado natural de equilíbrio, é preciso o uso de forças externas.

Atualmente, a ciência, acomodada, desenvolve uma velocidade muito lenta e continua. Esta suposta zona de conforto deve ser perturbada para que se estabeleça uma dinâmica progressiva na Ciência.

Estas mudanças são praticamente inviáveis se não houver motivações, e tais motivações não se conquistam só no ambiente institucional interno. Assim, ações transformadoras para que promovam a mobilização da ciência do Amazonas, com revitalização e presença, devem ser feitas de forma integrada envolvendo o Estado, setores privados e comunidades.

A energia para provocar e perturbar o sistema deve vir fontes externas às instituições de ensino e pesquisa. O mais interessado na existência de atividades acadêmicas e cientificas atuantes e proativas deve ser o Estado.

A esperança de inovação e independência econômica resultará principalmente da inteligência local. Estas inteligências devem ser aproveitadas e apoiadas para dar concretude às suas criatividades.

Mas, não deve ser uma ação isolada, mas, uma ação articulada e integrada, conforme acima. É preciso sobretudo, ter vontade política.

Inicialmente, o Estado precisa entender que ele é o protagonista do processo de produção de conhecimento. É preciso que saiba como tirar a ciência local desse reboliço incontrolável como se estivesse afundando no redemoinho de um rio.

É preciso acalmar esta turbulência, produzida pelas prioridades estranhas regionalmente e que se nutrem da ausência de fomento regional, deixando as instituições amazônicas à deriva, com sobrevivência precariamente permitida pelos editais nacionais, e deixar fluir até encontrar o oceano de oportunidades que podem surgir com uma atividade de ensino e pesquisa de sucesso.

Isto não é uma tarefa só dos órgãos de educação, ciência e tecnologia, mas de outras não menos importantes para produção de conhecimento tais como saúde, infraestrutura, desenvolvimento e produção.

Então, o diálogo deve iniciar com estes atores e com comunidades locais para agregar informações e consolidar seus eixos de demandas de conhecimento.

Não é uma tarefa fácil.

As organizações precisam romper o atavismo existente.

É necessário construir o novo, tentar observar a situação de maneiras diferentes, ter proposta inovadoras, descobrir gargalos produtivos e até mesmo modificar a forma de tratar seus clientes (cidadãos comuns e empresas). Estes elementos agregados adequadamente são peças da maior importância para o processo de revitalização da academia e ciência.

Agregar informações não significa somente colocá-las todas juntas, mas construir translacionalmente uma cadeia de conhecimentos com o propósito único de desenvolvimento social e econômico do ser humano da Amazônia, com vistas a um modelo próprio, ainda não conhecido, de progresso.

Não se descarta a possibilidade de se obter uma série de propostas de desenvolvimento com identificações de vazios de conhecimentos que precisam ser preenchidos para alcançar o objetivo do proposto objeto de estudo.

Este conjunto de propostas deve ser a base para elaboração de editais de pesquisas, com fomento específico, para cobrir as lacunas de conhecimentos necessários para realizar uma determinada atividade econômica e social.

Estes editais têm o caráter de compra de serviços e não de apoio a ciência. Não obstante, deve ter editais de apoio à ciência, pois existem muitas atividades de pesquisa, de extrema importância para produção de conhecimentos que, dificilmente são demandadas por segmentos sociais econômicos.

Como exemplo pode-se citar as coleções biológicas nas instituições formais e o armazenamento de material genético para preservação testemunhal da riqueza biológica ou produção biotecnológica.

Os acervos científicos, por causa da ausência de visibilidade, e de sua perspectiva eminentemente taxonômica (dar nomes aos seres vivos) provocam a sensação de inutilidade e, como consequência, têm lutado para permanecer vivos, pois a maioria dos recursos têm sido drenados para atividades de pesquisas na área tecnológica.

Mas, em verdade, acervos biológicos são excelentes bancos de dados úteis para modelagens matemáticas, podendo, até mesmo, serem utilizados para tomadas de decisões no campo da biotecnologia e políticas governamentais.

À medida que os segmentos econômicos participam mais ativamente nas questões relacionadas à ciência, mais se distanciam da pesquisa básica. Este distanciamento, é compreensível e aceitável partindo de segmentos econômicos, mas o Estado deve compensar as pesquisas básica que são fundamentais para o entendimento sobre a sustentabilidade de todos os ecossistemas, fato que garante a economia de mercado.

No entanto, as próprias instituições de pesquisas deveriam induzir empresas privadas a financiarem acervos biológicos, uma vez que ciência é uma atividade eminentemente social.

Atitudes de prudência cientifica

Na realidade corre-se contra o tempo.

A defasagem epistemológica, em alguns campos do conhecimento da ciência produzida na Amazônia, criou vácuos que praticamente inviabilizam parear a qualidade do conhecimento aqui produzido, com a qualidade de produção cientifica dos países mais avançados.

Então, são necessárias discussões amplas nestas áreas de conhecimentos para tomar a decisão sobre o que fazer, aparentemente são duas alternativas radicais: a primeira, priorizar estudos alternativos com focos diferenciados e a segunda é investir maciço na aquisição de equipamentos e capital humano e intelectual.

Neste caso, pode-se exemplificar a nanociência que é produzida aqui de forma bem discreta.

A rigor é preciso uma avaliação profunda no ambiente de pesquisa para estimar-se o nível de produção e estudo científico do Amazonas, a possibilidade de compartilhamento de conhecimentos e de serviços e o estabelecimento de critérios de pesquisas necessárias à luz dos documentos/demandas produzidos pelo Estado.

Infelizmente as organizações de ensino e pesquisas do Estado do Amazonas fazem quórum com outras do Brasil, estão agonizando. Precisam ser revitalizadas.

É difícil imaginar o que seria do Amazonas sem instituições como a Universidade Federal do Amazonas, Universidade do Estado do Amazonas e o INPA, as quais foram fundadas com missões claras de atuar na Amazônia.

Então tem que ter prudência na forma de atuar, com objetividade, clareza e independência política. Ser ético e honesto nas suas manifestações científicas.

Não seria nada prudente deixar fenecer as instituições já existentes, mas, o modelo que estrutura as atividades científicas, não está adequado para o caso amazônico.

Será necessário pensar em inovações estruturantes que deem oportunidades para criações mais aderentes à realidade amazônica, com chance para maior aproveitamento da inteligência cabocla.

Estevão Monteiro de Paula possui Graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Amazonas (1979), Mestrado em Engenharia de Estruturas na Escola de Engenharia de São Carlos pela Universidade de São Paulo (1981) e Ph.D. – University of Tennessee (1989) dos EUA. Membro da comissão de revisão da ABNT NBR 7190:1997 – Norma de Cálculo e Estrutura de Madeira da Associação Brasileira de Normas Técnicas.

Cláudio Ruy Vasconcelos Fonseca possui Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará (1976), Mestrado em Ciências Biológicas (Entomologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (1982) e Doutorado em Ciências Biológicas (Zoologia) pela Universidade de São Paulo (1988).

Foto: INPA

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