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PONTO FUTURO: UTOPIAS E DISTOPIAS AMAZÔNICAS

by Gilmar Couto

“Em primeiro lugar, trata-se da pressão mundial sobre a Amazônia e as possíveis consequências na vida do Amazônida e porque não dizer do Brasileiro. Em segundo, parte-se do pressuposto de que a relação do ser humano com a questão ambiental depende da percepção que o cidadão tem do seu mundo”.

Estevão Monteiro de Paula & Cláudio Ruy Vasconcelos (*)

Ponto Futuro

Era encantador assistir a seleção brasileira de futebol até a década de 80. Na década de 70, o técnico da seleção de 78, Claudio Coutinho, implantou o método Cooper e o “ponto futuro” na seleção.  O estilo do futebol proposto por Coutinho, consistia em fazer com que o jogador ficasse voltado para o ponto em que a bola iria, em geral, por trás do seu marcador. Usando a lógica de Coutinho, a pergunta é: Qual é o ponto futuro da Amazônia e, em especial, do Amazonas?

A questão colocada sugere a adoção de uma metodologia técnica e científica para identificar cenários com um conjunto de respostas, em função da complexidade do assunto. Aqui, no entanto, serão feitas, para reflexão, somente duas abordagens com recortes bem definidos quanto ao comportamento humano e social do brasileiro.

Em primeiro lugar, trata-se da pressão mundial sobre a Amazônia e as possíveis consequências na vida do Amazônida e porque não dizer do Brasileiro. Em segundo, parte-se do pressuposto de que a relação do ser humano com a questão ambiental depende da percepção que o cidadão tem do seu mundo.

Amazônia sem trégua

“No início retiram uma flor, no dia seguinte outras, em seguida pisam e destroem o jardim e por fim invadem as nossas casas”. É a síntese do verso: “No caminho com Maiakóvski” do brasileiro Eduardo Alves Costa em 1964.  Este é o caminho que o brasileiro está pavimentando, por causa da aceitação histórica dos comentários e críticas internacionais sobre a Amazônia.

A despeito do que pode estar acontecendo na Amazônia, este é um assunto a ser resolvido por Brasileiros.  A diplomacia brasileira errou quando, nas primeiras vezes, aceitou e absorveu desde o início os comentários e as observações feitas pelas lideranças dos outros países sobre a Amazônia.

Em vez de rebaterem, informando o que está sendo tratado ou tratarem de forma indiferente (como a China faz), tornaram-se meninos de recado, trazendo para o Brasil as mensagens que o líder de outra nação quer para o país, além de aceitar as argumentações. Lá se foram as primeiras flores.

Em Manaus, no ano de 2016, aconteceu uma reunião com todos os secretários de meio ambiente dos Estados da Amazônia e com a ministra do meio ambiente. Ela esbravejava e com orgulho dizia que o Estado Brasileiro foi o único que cumpriu os acordos na questão ambiental.

Isto pareceu estranho. Não porque o Brasil fez o acordado, enquanto os outros países não o fizeram.  Por que não o fizeram?

No fim da década de 90, o professor de estatística Bjorn Lomborg, de uma grande Universidade e ambientalista ativo (na época) assistia um debate sobre meio ambiente na televisão, quando ouviu um Ministro da Economia de uma superpotência falar que a questão dos ambientalista é que eles não contextualizam o problema.

Como professor de Estatística, Lomborg passou quatro anos debruçado nos dados e publicou em 2001, seu livro “O Ambientalista Cético”, concluindo que, de fato, algumas questões ambientais são colocadas do modo errado por não serem contextualizados totalmente os problemas.  A pergunta é: Será que a ministra contextualizou todos os problemas para cumprir a risco o acordo que todos assinaram e só o Brasil cumpriu?

Hoje, alguns brasileiros festejam as manifestações de políticos do mundo afora contra as eventuais tragédias que ocorrem na Amazônia, tudo por uma questão política.

Será que não se está dando corpo a uma ação futura penosa para o nosso Brasil?

Justificam-se os entendidos que o Brasil sofrerá sansões e terá perda de mercado, então, a preocupação não é ambiental é econômica. Outros países não democráticos sofrem fortes sansões, mas mantêm as suas convicções.

O Brasil, sendo um país democrático, liderança da América do Sul, com cerca de 20% do mercado de alimentos no mundo não consegue se segurar?

Não se está fazendo apologia sobre possíveis problemas ambientais  acontecendo na Amazônia, mas, estamos convencidos de que a “louça” deve ser lavada aqui, domesticamente.

A população do mundo cresce exponencialmente. A ONU prevê que no ano 2050, a população mundial chegará a 9,7 bilhões.

Estas pessoas vão precisar comer, beber e ter condições de vida em um mundo extremamente consumista e, certamente, o Brasil deve estar preparado. Faltam apenas 30 anos e ainda não se tem uma proposta sobre o padrão de desenvolvimento para a Amazônia, uma proposta de modelo econômico ambientalmente sustentável.

Será que o Brasil terá que esperar uma propositura de outros países colocando-nos na posição de “anões” do Papai Noel?

Enfim, a Amazônia não terá trégua. Será pressionada por ambientalistas, por ruralistas, empresas e consequentemente o resto do mundo.

É preciso que o Brasil esteja unido para os tempos que advirão e que sejam espelhadas as verdadeiras realidades dos rincões brasileiros e que sejam adotadas ações consensuadas entre os brasileiros, respeitado o meio ambiente, e principalmente discutidas com as populações de brasileiros que vivem nos mais diferentes pontos do país.

Isto é claro, não depende só do desenvolvimento tecnológico, mas a percepção da sociedade sobre as próximas décadas deve estar relacionada ao meio ambiente. São valores éticos e morais construídos ao longo da experiência de vida, em função do comportamento coletivo e, em especial, de sua educação escolar.

Assim, cabe uma questão: Qual será o perfil do ser humano brasileiro das próximas décadas, em especial os da Amazônia, em relação ao meio ambiente?

Cada um tem seu mundo – A releitura da vida no meio ambiente

Era um fim de tarde em Brasília, depois de um dia inteiro de reuniões enfadonhas. Um grupo de amigos estava sentado à mesa de um bar com o chefe dos serviços florestais da época conversando sobre amenidades.

Ex-pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), o chefe falava que estava encantado com a releitura que estava fazendo do livro “A insustentável leveza do ser” de Kundera.

A última vez que lera o livro tinha sido 15 anos atrás; na sua releitura, parecia um livro novo com novas sensações. O mundo dele mudara, ficara diferente da época em que fez a primeira leitura, agora com doutorado, pós-doutorado e com mais experiências adquirira uma nova percepção do mundo que se refletira na sua leitura, no seu comportamento e na sua atividade profissional.

A pintura conhecida como “A memória”, de um dos maiores nomes do Surrealismo, o pintor belga René Magrite é apresentada a um grupo de alunos para fazerem as suas interpretações sobre qual é a leitura que cada estudante faz sobre essa obra de arte.

Na pintura, aparece um busto sangrando na testa, colocado na frente de uma parede de madeira e ao seu lado (do busto) encontra-se uma bola quase fechada. Neste quadro, como nos outros, existem diversas interpretações que se associam, sobretudo com a percepção do observador em relação ao mundo em que vive.

No entanto, há um ponto em comum, o sangue vermelho na testa representa dor, sofrimento, ou coisa assim, porque de certa forma o vermelho em um corpo humano dá uma significação e conotação de acidente: dor, morte, etc. Assim, embora tenham percepções diferenciadas, existem padrões estabelecidos pela sociedade e que são prontamente interpretados.

É comum nas obras de arte se fazer a releitura delas.  As literaturas, pinturas e esculturas refletem diretamente ou indiretamente o mundo no qual o artista está vivendo naquele momento em que produz seu trabalho.

A releitura é repetir o trabalho, mantendo o tema, mas, dentro da percepção atual que o artista tem sobre o mundo em que vive. Na literatura por exemplo: O livro infantil e assustador chamado “A verdadeira estória do chapeuzinho Vermelho” de Agnese Baruzzi, publicado em 2008, conta uma nova versão da estória.

O lobo pede ajuda a chapeuzinho para tornar-se bom, ela o ajuda e ele passa ser uma celebridade. Chapeuzinho Vermelho, fica enciumada e decide fazer alguma coisa para que o lobo se transforme e volte a ser perigoso.

Enfim, a percepção do indivíduo na leitura, na observação da paisagem, nas conversas, na música, no show de teatro, depende da sua compreensão sobre o mundo em que vive. Geralmente fundamentada por educações passadas e pela informação da sociedade que o rodeia.

O ser humano tem essa capacidade de integrar e processar informações por meio de estímulos de diferentes sentidos, conhecimentos adquiridos pela experiência e pelas suas características pessoais para avaliar e interpretar seu mundo. Isto é conhecido como cognição.

Na verdade, é importante saber que, ao longo da sua vida, o indivíduo desenvolve e aprimora a sua cognição melhorando a sua capacidade de compreender o mundo em que vive, ou seja, assimila e processa os sinais e informações recebidas para convertê-los em conhecimento. Isto faz parte no seu desenvolvimento intelectual.

Mas é na fase de criança que se fundamenta o comportamento do ser humano, suas emoções e capacidade de relacionamento e se cristaliza até a fase adulta a sua percepção quanto ao mundo que o cerca.

Recomenda-se que sejam feitos pesados investimentos na educação da criança de até 7 anos, pois é até esta idade que são colocados os fundamentos para o seu comportamento na fase adulta. Se tais fundamentos forem bem postos, podem formar-se cidadãos responsáveis com melhores capacidade de análise crítica, mais preparados para trabalhar em grupo e com melhor inteligência emocional.

Com efeito, já está consolidado na área da educação a importância de capacitar as crianças para que se estruture uma pessoa que contribua socialmente e economicamente com o desenvolvimento da sua localidade. Logo, a criança deverá ser educada para atuar na sua realidade local.

Nada adiantaria se a criança que morasse no Alasca não soubesse andar na neve ou no gelo.

Difícil entender morar na floresta e não saber lidar com ela.

Entendendo o processo cognitivo

O processo cognitivo tem sido desvelado por um ramo do conhecimento chamado neurociência. Esta surgiu da percepção de que as diferentes disciplinas, tais como medicina, biologia, psicologia, física, química, matemática, entre outras, deveriam interagir para produzir uma nova síntese sobre o entendimento da função do encéfalo.

Assim, as ciências atuais transcendem seus limites epistemológicos para alcançar novos objetivos, produzir novas visões metodológicas, a fim de causar modelos que estejam espelhando de forma mais concreta a realidade.

Funcionamento

O encéfalo é formado por três grandes porções chamadas cérebro, cerebelo e medula. O cérebro, por sua vez é formado pelo lobo frontal, lobo parietal, lobo temporal e lobo occipital.

Sabe-se que o amadurecimento completo do cérebro ocorre até aproximadamente aos 30 anos de idade e na direção de baixo para cima. Logo, o lobo frontal é o último a maturar.

Assim, todas as capacidades mentais mais altas, tais como, visão de futuro, capacidade para lidar com conceitos, representações abstratas de relações, etc., ou seja, processos mentais complexos, estarão prontos por último.

A neurociência objetiva explicar como milhões de neurônios individuais atuam para produzir comportamento. O sistema nervoso central é formado por cerca de 90 bilhões de neurônios, interconectados e que formam redes neuronais, de modo que todas as condutas humanas resultam da formação das redes neurais que facilitam o desenvolvimento cognitivo.

Entre um neurônio e outra célula, não há comunicação direta, toda comunicação é realizada através de uma junção denominada de sinapse. Nesses locais ocorrem químicos específicos que tornam possível a transferência de informações, os chamados neurotransmissores.

Conforme transcorre o tempo, por força das exposições aos estímulos externos, torna-se necessária a interpretação da realidade, sendo que este processo vai forçando o aparecimento de novas sinapses que constroem mais redes neurais.

Essas redes facilitam o processamento dos dados e tornam possível a formação de conceitos, os quais, se relacionados, produzem uma interpretação da realidade a qual chamamos conhecimento.

A força do processo educacional

No processo da educação de uma criança, torna-se essencial a formação de redes neurais resultantes de exposições a diferentes estímulos ambientais. Considerando que crianças não têm o lobo frontal desenvolvido, os adultos passam a ser a consciência infantil. A decodificação ética é dada pelo adulto.

Então, pode-se inferir haver duas maneiras de educar. Aquela na qual o adulto emprega um sistema rigoroso determinando todas as ações, tornando a criança inteiramente dependente. Tal sistema produzira adultos dependentes de outros adultos. Serão presas fáceis de mentes mais desenvolvidas.

Outro modelo educacional seria o adulto exercer o papel de consciência, porém, permitir que a criança seja educada para tomar decisões. Por exemplo, a criança pergunta à mãe que roupa usará em determinada ocasião.

A mãe deverá ser condutora de raciocínio, explicará a situação e permitirá que a criança raciocine por si e faça sua própria escolha, orientando assim a escolha. No futuro, a criança, independentemente, saberá pensar e decidir.

Esse segundo modelo educacional deverá ser aplicado nas questões ambientais.

É importante que logo na fase da educação fundamental a criança comece a entender a vantagem que a floresta possa lhe oferecer, ou seja, com aulas práticas na natureza, professores devem guiar a mente em formação para raciocinar nas vantagens naturais e como elas estão sendo mantidas, de modo que, ao alcançar desenvolvimento intelectual complexo, a criança não esteja dependente de outras consciências, e saiba criticar informações externas sobre a sua própria realidade.

Por exemplo, o presidente da França diz que a Amazônia está sendo devastada. Um jovem educado no segundo sistema, saberá qual é a realidade e poderá refutar as afirmações externas, sem necessitar de alguém que o esclareça e tome decisões.

Todavia, reiteramos que é, na faixa etária de zero a 5 anos, onde são ensinadas as bases para raciocínios independentes.

Quando os cuidados educacionais acima não são observados, as etapas superiores de formação ficam prejudicadas. Sairão das universidades profissionais incapazes de tomar decisões.

Pode-se notar esse problema nos níveis de pós-graduação, quando alunos ficam frente às informações que estão na literatura. Muitos acovardam-se por suporem que os autores que o antecederam, são autoridades que não podem ser contestadas.

Porém, ocorre ainda que, por não terem sido treinados para tomar decisões, não sabem como criticar, necessitam alguém para dizer o que fazer. Essa situação fica ainda mais evidente quando estudantes têm que escrever o item discussão, nos trabalhos científicos.

Ali será necessário tomar o conhecimento já produzido, somar com os dados levantados pelo estudante e gerar um terceiro conhecimento que não estava em nenhum dos anteriores. Por causa de um processo educacional deficiente, não podem realizar sozinhos o novo conhecimento.

Parece que o que está sendo dito não acontece, mais é mais comum do que se imagina.

A importância do professor para a faixa etária de zero a 05 anos fica, portanto, crítica.

Além dos problemas no sistema educacional (salários muito baixos, que não permitem atrair uma elite para essa faixa de ensino), o ambiente educacional nacional não contempla treinamento que dê ao educador capacidade para exercer seu labor como a consciência educadora por excelência.

Alfabetizadores não necessariamente conhecem a Amazônia e não são treinados para educar crianças para formar capacidade de exegese independente.

A Amazônia deve escrever sua narrativa

Não se deve deixar que alguém outro conte a sua história. Sua história deve ser contada por você.

Para escrevê-la é preciso que viva no seu mundo e conheça a sua realidade e isto se faz por meio da educação, do modo de vida e do ambiente.

Assim, para o desenvolvimento cognitivo da criança, principalmente das capitais da Amazônia, sugere-se uma reflexão sobre a observação feita por Edward Osborne Wilson no livro A criação: Como Salvar a vida na terra (2008).

Wilson recomenda que as crianças vivam mais no seu natural e que todas deveriam estudar biologia nos primeiros anos de vida, por serem naturalistas em potencial como diz o autor: “Desde tempos imemoriais as crianças foram criadas em contato com o ambiente natural. Migração para as cidades afastou do mesmo as pessoas, mas, os instintos ancestrais continuam presentes e manifestam-se nas artes, nos mitos, nas religiões, nos parques e nos jardins, na caça e na pesca.”

Na fase adulta, esses conhecimentos serão mais consolidados e contextualizados, pela força da experiência de vida, firmando assim uma estrutura mental e intelectual capaz de contribuir com o processo inteligente da Amazônia.

Assim, é possível, com vontade política, a Amazônia identificar seu ponto futuro e, consequentemente, ter sua própria narrativa.

Estevão Monteiro de Paula possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Amazonas (1979), mestrado em Engenharia de Estruturas na Escola de Engenharia de São Carlos pela Universidade de São Paulo (1981) e Ph.D. – University of Tennessee (1989) dos EUA. Membro da comissão de revisão da ABNT NBR 7190:1997 – Norma de Calculo e Estrutura de Madeira da Associação Brasileira de Normas Técnicas.

Cláudio Ruy Vasconcelos Fonseca possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará (1976), mestrado em Ciências Biológicas (Entomologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (1982) e doutorado em Ciências Biológicas (Zoologia) pela Universidade de São Paulo (1988).

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